quinta-feira, 8 de agosto de 2013

OS GANHÕES

Na nossa História Contemporânea, há períodos da vida dos Campomaiorenses (décadas de 50, 60 até Abril de 74) que é necessário os Jovens de hoje, nascidos após aquele período, saberem como foi a vida dos seus progenitores.
As dificuldades que passaram e os enormes sacrifícios a que foram sujeitos pelo Regime Político de então, que os manietava e os inibia de evoluir e mesmo de procurar o seu sustento e da família além fronteira, tornou-os como se fossem prisioneiros na sua própria Terra.
Nesses tempos, a Industria era pouco significativa e a agricultura era a única forma de sustento da maioria da população e estava nas mãos de meia dúzia de abastados Senhores, quase todos da mesma família, que dominavam e faziam o que queriam.
A agricultura desses tempos, ainda pouco mecanizada, era realizada com alfaias agrícolas puxadas por Muares e pela força braçal dos Homens, trabalhando de Sol-a-Sol auferindo magros salários, uns eram mensais, outros eram jornaleiros.
As mulheres eram quase só destinadas às lides caseiras, mas em períodos sazonais (Azeitona, Mondas e Ceifas) trabalhavam arduamente para ajudarem a casa, onde na maioria dos lares só existia os salários dos Maridos e dos Filhos.
Campo Maior, nesse tempo, passou por muitos períodos de fome, a vida era extremamente difícil e tornava-se necessários retirar os filhos da Escola para que pudesse desde muito novos começarem a trabalhar e ganharem mais alguns tostões.
O analfabetismo era muito elevado, facto que interessava ao Governo de então e aos latifundiários, pois não lhes interessava terem muita gente de vistas largas e escolarizada que poder-lhes-ia ser um grande entrave nos seus objetivos.
Os Trabalhadores Rurais eram designados por Jornaleiros ou por Ganhões, considerando que os primeiros dedicavam-se, na maioria dos casos, a trabalhar para Pequenos ou Médios Proprietários onde ganhavam um pouco mais, mas com uma contrariedade porque a maioria das vezes o trabalho não era permanente, passando muitas semanas no ano sem trabalharem.
Os Ganhões eram contratados pelos Lavradores, viviam nos Montes onde dormiam e comiam, trabalhavam do nascer ao pôr-do-Sol e eram pau para toda a colher. As condições de vida nos Montes era quase desumana, dormiam em esteiras ou camas improvisadas, muitas vezes nas cavalharices onde pernoitava o Gado.
A alimentação, confecionada pelos cozinheiros com o avio fornecido pelos Patrões era à base de Grão, Feijão, Sopas de Pão e carne de porco fornecida (Morcela, Farinheira, Toucinho, Queijo, Azeite, Azeitonas) e pouco mais, algumas vezes mal cozinhada. A qualidade da comida dependia do Cozinheiro, que muitas vezes, no dizer de alguns Ganhões, reservava para ele o melhor, faltando na mesa para os Trabalhadores.
Era uma vida difícil e ao fim-de-semana os Ganhões vinham à Vila gozar o seu merecido descanso junto das Famílias e mudar de roupa para a semana de trabalho que os aguardava. O seu salário era de miséria( apesar de lhe chamarem Ganhões) e muitas vezes guardavam o queijo e alguns marrocates (pão feito especialmente para os Ganhões) para trazerem aos Filhos. Nos anos 50/60 os Ganhões auferiam entre 8 ou 10$00 comidos, bebidos e um pequeno avio, os Jornaleiros ganhavam entre os 15 e 20$00. Estes em determinadas épocas do ano (ceifa, azeitona, limpeza e enxertias) ganhavam um pouco mais porque acertavam empreitadas com os respetivos proprietários.
Voltarei noutra altura a falar mais um pouco sobre este tema, mas para terminar, quero lembrar aos mais novos, aos que nasceram após o 25 de Abril de 1974, que o Povo quando não tinha trabalho passava os dias deambulando na procura de alguma ocupação ou entretinha-se nas Tabernas porque os Cafés não estavam ao seu alcance, os que existiam eram frequentados pelos Senhores e pessoal dos Serviços e mesmo os Cafés que existiam tinham determinado tipo de clientela, nem toda a gente frequentava todos os Cafés.
Os Cantos de Baixo era o local, onde os trabalhadores se juntavam, esperando que um Manajeiro os procurasse para trabalhar. É uma situação que sempre considerei ultrajante, os trabalhadores eram escolhidos como se escolhe um bom borrego do rebanho.
Nos finais do anos 60 com a eclosão da guerra em África, a Juventude partiu e a emigração (maioritariamente clandestina) foi a tábua de salvação das nossas Gentes, Campo Maior transformou-se. Felizmente que os Homens abriram os olhos, o Abril de 1974 foi o bálsamo redentor das mazelas deixadas pela Ditadura e os Cantos de Baixo passou a ser um espaço público liberto das garras dos grandes senhores.
Estas e outras são as Histórias que marcaram a vida dos Campomaiorenses, que não podemos esquecer, mas que nos obriga a transmitir à catual e às novas gerações, sob pena de caírem no esquecimento.
Siripipi-alentejano
Campo Maior, 8 de Agosto de 2013

4 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Tiago, esse triste retarato de um tempo que não deve ser esquecido está, creio eu, inequivocamehte reflectido num livro que publiquei no final dos anos oitenta, intitulado, precisamente, livro Cantos de de Baixo
Um abraço e obrigado por teres relembrado esses tempos, porque o tempo que hoje vivemos e a politica de de quem nos desgoverna, pareceem querernos empurrar para essa sombria realidade vivida por nossos avós e pais e que nós também testemunhámos ao longo da nossa infância.
Um abraço
F.F.

Anónimo disse...



Boa tarde ao Siripipi,interessante o seu blogue.

Gostei muito do post está muito expressivo e credível daquilo que foram esses tempos...Não os vivi, mas ouvi contá-los nas longas noites de inverno do nosso Alentejo á roda da braseira em casa dos meus avós, onde se reuniam algumas vizinhas para tornar o serão mais ameno e acompanhado,onde as memórias lhe rasgavam a alma e lhe consumiam as forças, ao lembrar tanto sofrimento e ao olharem uma mão cheia de nada.
Era uma catarse de sentimentos a que eu assistia ainda criança sem compreender o que tinha causado tanto sofrimento aqueles rostros crestados, de sulcos profundos escavados de sofrimento...
"Na prisão que é o Latifúndio, a relação do trabalhador com o seu espaço é extremamente árida. Para ele, a lida com a terra se dá de maneira esgotante, causando amargura e sofrimento. Não existe amor na execução mecânica de tarefas que farão o solo frutificar para um maior enriquecimento de seus donos."
"Levantado do Chão" escrito em 1979 por José Saramago.

Anónimo disse...

sr siripipi so publica comentarios que falem mal do burrica apelida-se o sr de democrata

siripipi alentejano disse...

Ao anónimo das 01:37 de hoje, cabe-me informá-lo que os comentários que antecedem o seu não falam mal do Sr. João Manuel Burrica, limitam-se a falar sobre uma situação que os Campomaiorenses viveram. Importa referir que só publico comentários que não ofendam a dignidade das Pessoas ou as refiram com nomes próprios, mas se o pretenderem fazer devem dar a cara para poderem assumir as responsabilidades.Nos meus trabalhos pelo que escrevo, sujeito-me a criticas e assumo perante os que porventura se sintam lesados, as responsabilidades que me imputarem, para me poder defender.